Imprudentemente poéticos

Enquanto caminhávamos lado a lado confessei-te que não sabia sobre o que iria escrever. Nada me fazia sentir ainda a urgência da escrita. Tranquilizaste-me garantindo que a inspiração acabaria por surgir. Sugeriste-me que escrevesse sobre o nosso encontro, sobre a nossa longa tarde de domingo.

“Faça chuva ou faça sol, eu procurarei por ti”, assegurei-te. Lembrámo-nos imediatamente do clássico do cinema em que o casal combina um encontro daí a seis meses no Empire State Building. No entanto sabíamos que, perante a força do destino, nada nos impediria de nos encontrarmos. Ambos queríamos muito.

Naquela tarde chovia copiosamente, porém o mar estendia-se à nossa frente absolutamente sereno. Olhámo-nos pela primeira vez, embora sentíssemos que já nos conhecíamos há muito, muito tempo. Cumprimentaste-me envolvendo-me num abraço carregado das emoções escondidas nas palavras que me escreveste. Tudo parecia profundamente estranho, embora intensamente certo.

“Não há nada de estranho em tudo isto”, sussurraste-me. “Nada de estranho.”

Foi a tarde em que transformámos a palavra escrita em olhares profundos. Em sorrisos inundados de sincera felicidade. No toque da pele que se impunha.

“Gosto de tudo em ti, de tudo”, disseste enquanto me tocavas suavemente no rosto. Enquanto me olhavas encantado, como que a querer guardar o momento para sempre.

Revelaste que te apaixonaste por mim mesmo nunca tendo ouvido o tom da minha voz, nunca tendo sentido o meu olhar, nunca tendo sorrido com o meu sorriso. E eu, mergulhada na tua poesia, acreditei em ti. Inundada pelo teu romantismo, acreditei verdadeiramente em ti.

Perguntaste-me pelo meu coração. Fiquei calada, convencida do perigo de revelar o que sentia. Esmagada pela surpresa da nudez com que mostraste o que sentias.

Garantiste que gostavas muito do meu silêncio. Um silêncio imenso onde cabe um oceano. Disseste que querias repousar a tua cabeça em turbilhão no meu ombro, em silêncio. E voltaste a confessar-te enfeitiçado com a minha serenidade.

Pegaste-me nas mãos e envolveste-as nas tuas, como se guardasses com o maior cuidado uma jóia preciosa. Suspirámos juntos, arrebatados pelo momento, com o coração acelerado.

“Eu estou contigo”, sossegaste-me. “Eu estou contigo”, insististe.

Quando a noite chegou e tivemos de nos separar, soube que ficarias para sempre com aquela longa tarde no coração. É assim que fazes, carregas contigo os teus tesouros até ao infinito.

Como está o meu coração? Exatamente como o teu. Imprudentemente poético.