Álbuns de fotografias
Nas últimas semanas o meu pai foi trazendo à luz do dia vários álbuns de fotografias antigas. Andava à procura de uma fotografia de um tio, para ser reproduzida a fim de ser exibida num evento, e foi encontrando diversas outras fotografias nossas de várias épocas, que resistiram heroicamente ao pó e à passagem do tempo.
Assim, resgatou do sítio onde andavam perdidas algumas fotografias da minha infância, do dia em que fiz a Primeira Comunhão, de viagens em família na adolescência, das férias que passei em Augsburg a apanhar morangos e a aprender alemão, das festas na Universidade em Coimbra.
Os meus irmãos ficaram muito entusiasmados por verem as fotografias e recordarem os acontecimentos que retratam, como a nossa viagem ao Oriente, a viagem ao Brasil, os aniversários todos juntos em Coimbra, as passagens de ano na Madeira.
As minhas sobrinhas divertiram-se muito ao ver-nos com a idade delas, de sapatilhas All Star, calças de ganga largas de cintura subida, t-shirts enormes com chumaços nos ombros, e, sobretudo, com as mesmas poses de adolescentes.
Mas eu senti-me incomodada com tudo aquilo, num desconforto que se foi evidenciando, até que acabei por confessar que não queria continuar a ver mais fotografias antigas minhas.
Na verdade, ao ver nas fotografias aquela criança loura de ar angelical, a adolescente de cabelo escadeado com franja, a jovem magra de traje académico a sorrir, não me reconheço. Não reconheço aqueles gestos suspensos, não reconheço aquelas circunstâncias, não reconheço os pensamentos que transparecem naquelas expressões. As fotografias recuperam lembranças e eternizam os momentos, mas levam-me também a constatar que, de alguma forma, perdi-me de mim pelo caminho.
A minha cunhada apontou para uma das fotografias, onde eu aparecia sorridente a olhar com cumplicidade para o meu namorado da época da faculdade, e disse-me: “É outra vida, não é?”
Folhear estes álbuns é como que espreitar para dentro de mim. É a minha história, sem dúvida, mas a história de alguém que já não sou. Aquelas fotografias são de uma outra vida, de um outro eu.
Já não sou a criança inocente e doce que devorava livros e relia-os várias vezes, não fosse ter perdido algum pormenor. Já não sou a adolescente de olhar desafiador e seguro, que adorava poesia e se deslumbrava com os filósofos. Já não sou a jovem idealista que acreditava que conseguiria mudar o mundo e ser a voz dos que não têm voz. No entanto, admito, gostava muito de voltar a ser.
A vida vivida, de alguma forma, afastou-me de mim. A nostalgia que senti ao ver os álbuns de fotografias antigas fez-me desejar recuperar a inocência, a confiança, a audácia. Fez-me querer resgatar a esperança que se perdeu.