Aos cinco anos
Aos cinco anos tive a minha primeira grande deceção na vida. Despejaram sobre mim o conceito de injustiça e tive de enfrentar a inevitabilidade de nem sempre podermos escolher o caminho que queremos percorrer. Às vezes o destino escolhe por nós.
Entrei na pré-primária com apenas dois anos, pelo que, passados três anos, quando os meus colegas atingiram os seis anos e se preparavam para iniciar a escola primária, eu tinha ainda cinco anos. Chegou o mês de outubro, chegou o frio e a chuva, o vento soprava furioso lá fora, e eu recusava-me obstinadamente a sair de casa.
Não queria ir para a escola. Já tinha feito os três anos de pré-primária, com afinco e dedicação, porque haveria de ter de fazer mais um? Todos os meus amigos tinham prosseguido para o andar de cima, para a primeira classe, mas os adultos disseram que eu devia aguardar mais um ano, pois só atingia os seis anos em Janeiro.
Faltavam apenas três meses e catorze dias. Três meses e catorze dias que me deram o primeiro grande abanão na vida e moldaram o meu caráter. Os meus pais ficaram muito preocupados comigo, pois chorava muito, mergulhada numa imensa tristeza, enquanto assegurava com veemência que não ia mais à escola. Já não tinha por lá a minha educadora, nem os meus amigos, nem nenhuma cara que reconhecesse como familiar. Sentia-me deixada para trás. E alguns meninos, maldosos, olhavam para mim com ar de gozo e diziam que tinha perdido a “infantil” e que era repetente.
Não, não me apanhavam lá de livre vontade. Só se fosse arrastada. Mas nunca ninguém me arrastou. Tentavam convencer-me das maravilhas e vantagens que tinha em estar mais um ano na pré-primária. Que podia ter novos amigos. Tentavam negociar comigo. Mas eu estava irredutível. O meu Pai vinha todos os dias de manhã perguntar-me se naquele dia ia à escola. Não ia. Os meus irmãos seguiam no carro e eu ficava em casa, na companhia da minha solidão, em intermináveis conversas comigo mesma.
Às vezes ganhava coragem e ia. Porque me pediam muito, porque me diziam que até ia gostar, porque me asseguravam que tinha de ser. Mas ao aproximar-me dos gigantescos portões verdes do Colégio muitas vezes voltava a vacilar e suplicava para que o meu Pai me levasse de volta ao meu porto seguro. Voltava para casa. Para o cantinho de sossego e de paz. Voltava para mim.
Toda a gente temia que aquilo se tornasse um problema maior, que ganhasse uma aversão à escola, que isso afetasse todo o meu percurso escolar. Dias e dias trancada em casa, aos cuidados da Maria, a nossa empregada, a olhar a vida a passar lá fora, do outro lado da janela. À espera que os meus irmãos voltassem e me trouxessem de novo a alegria de ser criança.
Um ano passou-se e chegou novamente o fim das férias grandes. A minha Mãe comprou-me uma mochila e estojo novos, material escolar lindo por estrear. Os cadernos tinham o cheiro valioso das histórias por escrever. E eu fiquei entusiasmada ao contemplar a beleza de tudo aquilo, a beleza de poder crescer e aprender.
Quando finalmente chegou o dia, fui para a escola primária sem hesitar. Com uma determinação que provavelmente não teria se a deceção que tive no ano anterior não me tivesse esculpido ferozmente o espírito e a vontade. Hoje, iluminada pela distância dos acontecimentos, não tenho dúvidas que as lágrimas que derramei aos cinco anos fizeram de mim quem sou. E ensinaram-me a ter as indispensáveis conversas que ainda hoje mantenho comigo mesma.