As amendoeiras em flor
Esta é a quadragésima crónica que escrevo no JM. Quando aceitei o simpático convite que me fizeram para colaborar no espaço de crónicas deste jornal, tive receio de não ter assunto sobre o que escrever, ou de os meus temas não interessarem a mais ninguém. Não sabia bem o que seria este meu “copo meio cheio”, mas sabia o que não queria que fosse. Não poderia ser um espaço de amargura, de crítica social destrutiva, de comentário político. Também não queria escrever sobre o meu dia a dia de leis e tribunais. Apenas sabia que gostava que este espaço falasse daquilo que julgo importante, que refletisse um pouco aquilo que eu sou e, sobretudo, revelasse aquilo que eu sinto.
E os temas foram surgindo muito naturalmente. Ou pela proximidade de uma data festiva, ou pela ocorrência de um acontecimento marcante, ou pela força intensa de um sentimento que não dava mais para calar.
Por vezes o vazio consumiu-me até ao último minuto, mas acabou sempre por surgir uma ideia, nascida de um comentário, de uma conversa, de um gesto, de uma leitura, que foi crescendo na minha cabeça até não ser mais possível deixar de escrevê-la. Também aconteceu começar a escrever sobre um tema, mas o meu coração levar-me por um caminho totalmente diferente e acabar com uma crónica distante da que estava previamente escrita na minha mente.
E acabei por chegar aqui, à quadragésima crónica. Quarenta, o tempo de preparação necessário para o caminho que se estende aos nossos olhos. O tempo de renovação. Esta disciplina de escrever de quinze em quinze dias trouxe a escrita de volta à minha vida. Já quase tinha esquecido o caderninho preto onde cheguei a registar diariamente frases, pensamentos, poemas. Sim, sobretudo poemas. Antes, quando escrevia, escrevia poesia. E é ainda poesia que escrevo agora, mesmo quando a forma é a prosa.
A melhor crítica que ouvi sobre este meu “copo meio cheio” foi terem-no chamado de espaço de ternura, de aconchego e de colo. Fico muito feliz se o resultado destas quarenta crónicas tiver sido esse, se a minha escrita teve a capacidade de tocar dessa forma em alguém.
Sendo esta uma crónica tão especial, pela simbologia do número, pensei muito sobre o que poderia escrever. Não faço ideia porquê, mas uma imagem insistiu em surgir na minha mente, a martelar-me incessantemente. As amendoeiras em flor.
Nunca vi nada de tão belo como um caminho ladeado de amendoeiras em flor. É um quadro de uma simplicidade extraordinária, mas com uma beleza esplendorosa. A vida fica suspensa, o coração cheio, ao contemplar a magnificente beleza natural das amendoeiras em flor. É serenidade, doçura e pureza.
Nunca vou deixar de escrever. Quer seja num jornal ou no caderninho preto guardado dentro da gaveta. Porque há ainda muita ternura, aconchego e colo para dar.