MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

CONTOS INSULARADOS

24/07/2022 09:15

Ia ‘à parafita’, mas não "às carreiras", com as tuas palavras a dançarem-me na cabeça. Tu eras mais de risos do que de vocábulos. Sempre simples, raramente complicada. E nunca com a minha pressa. Toleravas quase tudo, menos a temperatura acima de 23 graus. Era um tormento. "O diabo solto". Estava calor, um braseiro como naquela vez que o lume veio bater à nossa porta chamuscando algumas árvores do jardim, e talvez, por isso, as tuas expressões resolveram desfilar no meu pensamento. Estavam à "raia solta". Deixei-as estar a sua vontade. Algo implicativas se bem que nem implicar sabias, "a pegar com as pedras" que nem se podia estar, nem na frescura da frondosa sombra do pensamento alheio. Embora tratando-se do meu, talvez fosse melhor uma ventoinha como aquela velha que tínhamos, que, estou em crer, só fazia barulho. "Estepilha, não há quem jaza" com este este tempo, continuavas tu, entre suspiros e abanando o leque da minha memória.

E ríamos as duas, como ríamos em todas as tardes de verão. O verão, mesmo os mais doridos e foram tantos, tinham sempre risos e, não poucas vezes, gargalhadas abertas, sobretudo quando a casa se tornava insuportável e vínhamos dormir para o terreiro, num acampamento improvisado debaixo da vinha, avistando as estrelas e sonhando com um futuro onde estaríamos todos. Ríamos, tu na minha cabeça, e eu a correr pela avenida abaixo, que nunca consegui ter a tua calma, nem sorver a vida como se fosse um gelado "nevada", que comíamos nestes dias de temperaturas extremas, que tanto te incomodavam. "Arre cão, prefiro o frio", garantias e eu brincava que sabias lá o que era frio, se quando íamos à serra ver a neve eras a primeira a refugiar-te dentro do carro. "Mas é melhor", asseguravas, mesmo nunca tendo experimentando o termómetro a marcar abaixo de zero. "Isto é que não e não e não outra vez", oiço-te, agora que te instalaste confortavelmente na almofada da saudade que me envolve.

Eu que suportava o calor com mestria e te contrariava, que antes isso que o inverno, chego afogueada ao meu destino. Espreito uma montra e vejo o teu reflexo na minha imagem esbatida, pesam-me as tuas palavras que não me dizes. Vejo a tua mais nova com quem me venho encontrar, passo apressado, "à parafita", e percebo porque é que vieste apesar do calor. "Está bonitinha a menina", digo-te sem te dizer e ela atira: Ah estepilha, que calor". E rimos as duas como naquelas tardes de verão. Afinal, também estavas à minha espera.

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