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Artigo de Opinião

Bispo Emérito do Funchal

9/01/2022 07:00

É conhecida de muita gente a maneira popular, diversa da liturgia oficial da Igreja, no tempo natalício dos cristãos na Madeira. O momento mais conhecido é o das Missas do Parto, e, embora, vivido outrora por alguns párocos, era criticado pelos jovens coadjutores ou curas. Na cidade, não era habitual nas paróquias estas formas de piedade e, nunca na Catedral, onde os senhores cónegos rezavam o ofício divino de manhã e de tarde. O "Cantar dos Reis", como era executado nas casas particulares, ou grupos culturais, não era colocado no mesmo nível da liturgia. Quando era estudante no Seminário Diocesano, os professores de teologia viam nas missas do parto um resíduo de religiosidade que se aproximava da superstição. Um dos nossos professores romanos revoltava-se e condenava estas missas e, como escrevia todos os dias no Jornal da Madeira, os párocos temiam que a sua paróquia fosse considerada decadente e superficial.

Um padre diocesano perguntou-me há pouco tempo, porque permiti as "Missas do Parto" na diocese? "Porque sou filho do Concílio Vaticano II, respondi, que defendeu e recomenda a piedade popular, evitando todos os exageros". A religiosidade popular no mundo católico move multidões, tanto na secularizada e envelhecida Europa, como na América Latina e nos outros continentes, ela é um poderoso altifalante com que a igreja pode contar em nossos dias. Segundo alguns peritos é uma arma contra a secularização, podendo ao mesmo tempo transformar-se num perigo que pode enfraquecer o corpo eclesial. O Papa São Paulo VI chamou-a "piedade popular", alguns teólogos "mística popular." O termo popular não tem sentido negativo, o Concílio Vaticano II usa a expressão "povo de Deus" que não é diferente daquela que usa o Papa Francisco "santo povo fiel de Deus." Na Terra Santa, dois momentos fortes da piedade popular são a procissão dos Ramos na Semana Santa e o Batismo de Jesus nas águas do Jordão, com os altifalantes a ecoarem nos vales e montanhas, com batismos no rio santo e eucaristia, tudo promovido pelos franciscanos.

Nos últimos anos a religiosidade popular suscitou grande interesse no mundo católico europeu, em parte devido ao Pontificado do Papa Francisco, com reflexões sobre o argumento em primeiro lugar na Encíclica Evangelil Nunciandi de Paulo VI. Enquanto na Europa a secularização provocava uma diminuição da presença dos fiéis e da sua adesão à Igreja, a religiosidade popular conhecia um crescimento considerável e inesperado. Nos últimos anos a Igreja conseguiu chegar até alguns dos mais afastados.

Que procura uma pessoa que parece ateia e anticlerical numa procissão católica de Nossa Senhora de Fátima ou procissão dos Passos? É só folclore? ou qualquer coisa mais profunda? Porque encontrei tantas pessoas interessadas em visitar a Terra Santa, quando na prática não iam à missa paroquial mas estão presentes nas manifestações de piedade popular? Há poucos dias encontrei um homem que me diz: Senhor Bispo eu não perco uma missa do parto, mas não vou à missa durante o ano? O professor da Pontifícia Universidade Salesiana de Roma, Gavila B. escreve: "A evangelização que se atua a partir da religiosidade popular segue um processo diverso daquele da catequese convencional. Não inicia mais com o anúncio, prosseguindo com a conversão e culminando na manifestação e exteriorização desta última, mas de ordinário inicia-se com a exteriorização, prosseguindo por vezes com a aceitação e a conversão, concluindo com o anúncio e a proclamação".

Na reflexão da religiosidade popular palpita a ação do Espírito Santo que, de uma forma surpreendente, revela o desejo de transcendência de muitos dos nossos contemporâneos, que lhes aponta um caminho de acesso à comunidade cristã.

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