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Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

13/08/2021 08:00

Um gajo senta-se a escrever e o mundo passa. É uma romaria sem fim e vamos todos nela, todos sem exceção. Dizer qualquer coisa sobre o assunto, seja lá o que for, com verdade ou fingimento, consiste numa exposição de si mesmo face ao lugar que se ocupa no cortejo. Com palavras nos despimos, com palavras nos atiramos ao fogo. Ardemos nus. Iluminamos o caminho. E a vida continua.

Tudo o que somos cabe inteiro numa palavra.

Diz-me a tua, dir-te-ei quem és.

Era porreiro que fosse assim, não era? Cada palavra, uma alma. Bom, mau, generoso, cretino, nobre, cabrão, humilde, arrogante, profundo, fútil… e por aí diante… Cada sílaba, um espelho da nudez. Cada letra, uma espada entre o coração e a parede. Era ótimo que fosse assim. Já agora, a minha palavra é…

As coisas, porém, rodam de maneira diferente.

As palavras são como a lua, têm face oculta, quarto crescente e quarto minguante, luz para todos, ausência total. As palavras são como a terra, o mar, o ar, são como tudo o que se transforma e permanece com outra forma. As palavras são como tu.

Um gajo que seja filho da puta, cheio de merdas na cabeça, daquelas que nos fazem sentir superiores e desprezar tudo, é capaz de ir longe a reboque das palavras, colocando-se facilmente à frente dos outros, assobiando depois para trás, a chamar por todos - venham, venham - como se fosse dono do carreiro que vai para a ermida da morte, o lugar para onde se dirige a nossa procissão, é preciso não esquecer. E lá vamos nós atrás dele, ora felizes, ora atordoados, todos a caminho da ermida da morte - um sítio frio, pequenino, feito à medida de cada um, mesmo à justa, só cabe quem lá entra, mais ninguém.

Enfim…

O que estou para aqui a dizer?

Sentei-me com a intenção de contar o sonho desta noite - não tenho nada para dizer e o sonho pareceu-me deveras interessante - mas, de repente, sai-me esta porcaria da boca para fora, sai-me esta estupidez dos dedos para as teclas, sai-me esta porra existencial, niilista, caótica, sai-me esta filosofia manhosa, esta petulância ranhosa, este jogo de palavras idiota. Sabem: tudo o que aponta para o absoluto não tem valor nenhum. Seja lá o que for. Podem fazer uma lista. Se for absoluto, não vale nada. Deus acima de tudo e depois o resto, incluindo a minha escrita.

Isto já vai longo e eu vou rematar. Assim:

Tenho dificuldade em pensar, refletir, equacionar, questionar a minha existência e o pulsar do universo, tenho dificuldade em entender o ruído, a fúria e o silêncio do tempo e do espaço que ocupo. Às vezes, escrevo no meio das tarefas domésticas e sinto a náusea do ser, suave e profunda como um poema. Procuro exibir o anjo que sou e revelar o sacana que também sou, usando uma prosa simples e sem segredos, mas no fim fica tudo cheio de egoísmo. Já o disse e repito: podemos compor a verdade com o que se quiser, mas ela acaba sempre prenhe de nós mesmos. Outras vezes, encaro a escrita como uma viagem, sobretudo quando não tenho nada para dizer, ou seja, quando sinto a alma vazia e o mundo perdido em forma de bola de sabão, prestes a desaparecer, como agora.

Plim…

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