Um corpo não pode a eternidade

Qual dos vazios escolhes? Será este céu telúrico onde lavras as palavras ou o cansaço incalculável das mãos que guardam as pedras?

O tempo é isto, o corpo gasto de uma mulher que não cresceu, a sua luz morta muito acesa para dentro, sombra que a luz não quis antes do fim. Os meus pés queimam o caminho desviado das tuas mãos que já não abrem.

Qual dos vazios nasce primeiro? Onde me dói a ferida alastrada que não vês? Que corpo cai primeiro depois da língua e do silêncio?

O tempo todo caiu já sobre mim. Há um fulgor imenso parado ao cimo da última árvore; parece que, por vezes, ainda me reconhece, num lugar que era o meu, mas ao qual nunca cheguei. Ou talvez seja demasiado tarde para me lembrar. Ninguém pode nem ninguém vê o ar entre as minhas duas mãos, o abandono da casa que não ruiu nem cumpriu. E agora? Como distingo a desolação do recomeço? O calor está tão próximo do frio quanto os meus dedos longe da tua têmpora.

Eu sei. Perdermo-nos pode ser uma maneira de nos combatermos, de sermos o próprio vazio antes de o tocarmos. Qual dos vazios te escolhe quando abres as mãos para dentro das pedras e são elas a falar-te dos silêncios dos homens.

Para que serve a eternidade sem o peso dos corpos e o óleo das suas queimaduras? É então este o vazio por que esperas no fim dos olhos lunares? A casa inabalável sob os joelhos e a vida lá no fundo. Os meus dedos resistem afinal cravados nos cabelos de um deus subterrâneo. Sempre que subo são os seus braços o peso do meu corpo, o peso de todos os corpos que não fui.

Eu sei. Pode ser terrífico entrar nos olhos de quem morre pela primeira vez e encontrar aí a ternura, a dormência das árvores mais atentas. Ter fé neste corpo debruçado sobre a lenha. As cinzas possíveis debitadas nas marcas do corpo que desiste.

É tarde, só não mo digam por completo antes do fogo. Perder sabe a sangue à flor do gume. É por isso que não tardo a perguntar; de entre tantos, que vazios escolhes?

É que um corpo é isto. Só. É tudo e mais não pode.