E das sombras se faz lume. Até ao frio
Setembro luz ainda, mas os meus pés nascem das sombras ou então calculo o céu impenetrável. É sobre os teus ombros que desisto para resistir. Abro e fecho os olhos, paro sobre o ápice da mais fina lâmina, e nela me afio antes da morte. Venho de um tempo sem mar. Do útero de um Deus sem fim. Escondo-me a meio da vaga de um lobo sem fôlego e caminho por cima dos braços das árvores. Não me vêem já os pássaros de antes, a minha pele humedece a terra por arar, e eu nem sei por que começo me dou. A luz não resta, só o teu rosto me devolve todas as sombras até ao chão, mas, ainda assim, não me refaço das noites inteiras, dos dias que morrem contra os olhos fechados de uma única pele. Arde a minha mão na tua face como uma mãe tardia chegada para o amor último.
É sempre tarde. Tudo e todos são imensamente tarde. Até os dedos desta mão ardente que já não sente. Antes foi tarde, tão tarde quanto agora.
Procuro o derradeiro fulgor dos teus olhos, essa tão crua escuridão que o silêncio transforma num corpo brando. Toca-me. Vêem melhor os olhos cegos, vão mais além os dedos dormentes, o fogo apagado na crosta de Vento. Há vento a levantar-nos a pele enquanto o mal irrompe onde não vemos. Deus. Deus adormece na orla do tempo e os seus pés atravessam longos invernos de rochas e lume frio. O corpo imóvel, talvez inexistente, resiste apenas da sombra funda dos homens, de uma ilha profunda por nascer. Despenho-me sobre o seu peito como no princípio. Caio, pronta para morrer de novo do amor de sempre, do espanto que me corta rente aos séculos onde não fui. A sua mão na minha garganta como salvamento inatingível. Podia ser isto a fé, um travo de suor para enlouquecer de eternidade, um deus quente como os homens destemendo o perfume nos cabelos.
Setembro podia ser isto, assim, para sempre. Uma espécie de final forjado por sombras marítimas, uma valsa lenta contida na boca breve de um pássaro. Leve. Triste até ao centro do sol.