A falha
Um dia parei nos teus braços. Era a noite mais escura aberta no tronco da árvore, e tu vinhas de uma língua distante onde todas as tempestades eram de silêncio. Falavas-me na pequena morte dos pássaros envelhecidos, dos seus olhos de voo esplêndido sem quedas no fim.
Lembras-te? Eu não tinha ainda nascido para dentro da terra e os teus braços eram já o princípio. Princípio até ao fim. Não sei de que parte tua, de qual partida crescem para mim os teus braços. A ternura imensa de um céu fechado sobre o cimo breve dos nossos corpos. O nosso corpo. Não sei onde pairas dentro da minha escuridão. Hoje e agora serão as tuas mãos, essa força que não tenho e tampouco é. Eis-me assim; de todas as vezes me quero fraca, vinda de um lugar sem forças nem pesos. É da pluma que pairo, que beijo de cima o mundo que me morre enquanto a árvore reluz de regresso à terra. De volta ao interior do silêncio.
Paro nos teus braços, fogo e casa donde conheço o mundo. Aprofundo e espero, mais do que quem deseja. Subo inteira à altura límpida dos que amam.
Vou e voo rente aos pés de um deus febril, um deus que ama com o calor do corpo todo. As suas mãos azuis de vento carnal, mar anoitecido deitado sobre as costas de Eva.
Levo em mim a velocidade do tempo, o dia bate ao meio nos teus ombros altos, e tu sorris da imunidade que me falta para te falhar, desconhecendo quase que é de ser falível que um homem se salva. Estás aqui. Útero azul onde começa a viagem antes do escuro. Ou uma ilha por abrir no ar da tua boca, essa estrela de penumbra clareando levemente o prelúdio da aparição. De ti.
As árvores caíram da terra no dia em que parei nos teus braços. E veio um manto incandescente cobrir-nos o rosto, uma espécie de milagre no tremor de mãos tão incertas.
Vês?