Se as mãos encontram a noite
Isto sou eu. Gostava que um vendaval corresse devagar, que as tuas mãos trouxessem a resina das árvores até à boca do meu peito. Há esta tarde que tarda imensa para o desacordar de uma mão atenta, quando o teu corpo traz duas metades prontas para a ternura.
Vês? Podíamos ser a noite onde só as árvores tocam, se o tempo não fosse este manto que não cobre, mas explica melhor o princípio do que dói. O encanto começa por aqui. Caio do alto da terra como se me amparasses ainda antes da queda. Tenho toda a intenção de cair. Isto é o meu corpo. Lento e pesado como antes de nascer. É nele que te guardo até ao despontar das flores, até ao cimo mais cimo dos teus olhos de anjo líquido. As tuas asas cobrindo as minhas costas, fustigando-as de calor e súplicas antigas. Isto sou eu.
Deito-me sobre ti como se luz não houvesse. Nem flores nem Deus. Abro um novo mar na fome do teu peito, um ímpio lugar para forjar a glória de ser tua, agora que o vento entra na minha boca e o silêncio é um movimento contínuo descendo até ao fim.
Eu sei. Há um escurecimento que se levanta por dentro dos girassóis se os não tocamos. É urgente devolver-lhes a inocência. Soubéssemos nós da luz fechada nas linhas de uma mão, dos ombros imaculados para a força das unhas, este despiste de dedos jubilares acendendo a pele, acendendo o espaço entre as palavras que nunca morrem.
Eu sei. O poema geme entre as minhas mãos, tem pêlo de gato à sétima vida, brilha suave na cauda da noite-aparição. Ali mesmo, pomar noctívago onde cresce uma laranjeira. Isto sou eu. Creio na candura dos homens que adormecem sobre os troncos das árvores e riem pela morte dentro. As minhas mãos entram devagar nos seus dentes. Duras e inclinadas, vão envelhecendo, pesam e abrem abismos antigos. Seguem em frente como se morressem.
O corpo atravessa agora o fogo que abandona a árvore. Debaixo da terra ainda conto estrelas, enquanto artérias se espalham para longe. Devolvo aos girassóis primeiros todas as inocências, e do fundo, imagino que vêm as tuas mãos levantar-me da terra.